Retrospectiva: Economia não é ciência natural

Douglas Rushkoff
Edge
Traduzido pelo grupo de tradução português
17/01/10

Temos de parar de perpetuar a ficção de que a própria existência é ditado pelas leis imutáveis da economia. Estas chamadas leis são, na realidade, os mecanismos económicos dos monarcas do século 13. Alguns de nós analisando a cultura digital e seu impacto sobre as empresas devemos revelar a economia como a construção artificial que realmente é. Embora possa ser submetida ao escrutínio do método científico e matemático, não é uma ciência natural, é a teoria dos jogos, com um conjunto de pressupostos subjacentes que pouco têm a ver com qualquer coisa semelhante a genética, neurologia, a evolução, ou sistemas naturais.

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©Desconhecido

Temos de parar de perpetuar a ficção de que a própria existência é ditado pelas leis imutáveis da economia. Estas chamadas leis são, na realidade, os mecanismos económicos dos monarcas do século 13. Alguns de nós analisando a cultura digital e seu impacto sobre as empresas devemos revelar a economia como a construção artificial que realmente é. Embora possa ser submetida ao escrutínio do método científico e matemático, não é uma ciência natural, é a teoria dos jogos, com um conjunto de pressupostos subjacentes que pouco têm a ver com qualquer coisa semelhante a genética, neurologia, a evolução, ou sistemas naturais.

O mercado em que a maioria do comércio ocorre hoje não é uma condição pré-existente do universo. Não é a natureza. É um jogo, com regras muito particulares, postas em movimento por pessoas reais com motivos reais. É por isso que é tão incrível para mim que os cientistas, e as pessoas que se auto-denominam cientistas, se proponham estudar o mercado como se fosse algum sistema natural - como o tempo, ou um recife de coral.

Não é. É um produto não da natureza, mas de engenharia. E tratar o mercado como a natureza, como se fosse algum produto de forças puramente evolucionárias, é negar-nos o acesso à sua reformulação em curso. É como se nós tivéssemos acordado num mundo onde apenas um sistema operativo estava funcionando em todos os nossos computadores e, pior, não percebemos que qualquer outro sistema operativo alguma vez existiu ou poderia existir. Nós simplesmente aceitaríamos o Windows como uma circunstância dada, e procurariamos maneiras de adaptar a nossa sociedade para as suas necessidades e não o contrário.

Cabe aos nossos pensadores e escritores mais rigorosos não basear o seu trabalho em construções amplamente aceites, mas em grande parte artificiais. É sua tarefa de diferenciar entre o mapa e o território - para reconhecer quando uma série de pressupostos falsos está corrompendo as suas observações e conclusões. Como o grande interesse nos argumentos de Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens nos mostra, há uma aceitação crescente e uma fome por pensadores que se atrevem a desafiar a crença generalizada na criação de mitologias. Que se tornou mais fácil desafiar a supremacia de Deus do que questionar a supremacia do mercado demonstra a forma, como qualquer grupo pode ser vítima de um mito de criação - especialmente quando eles são remunerados a fazê-lo.

Demasiados tecnólogos, cientistas, escritores e teóricos aceitam a premissa subjacente do nosso mercado corporativista como pré-condição do universo, ou pior, como beneficiário último de seus resultados. Se uma "economia livre" do tipo descrito por Chris Anderson e Clay Shirky realmente vem a caminho, então os próprios livros brevemente serão pouco mais do que líderes de perda para palestras corporativas de alto preço. Em tal esquema como poderiam os escritores profissionais e teóricos escapar à polarização de seus trabalhos em direcção às necessidades do mercado corporativo de palestras? É como se o valor de uma teoria ou perspectiva assenta unicamente em sua aplicabilidade para o sector empresarial.

Se está sendo feito na ignorância honesta, obediência cega ou exploração cínica do mercado, o resultado é o mesmo: a nossa capacidade de imaginar novas soluções para os mais recentes desafios é prejudicada pela dependência nas respostas aos impulsos de mercado e compatíveis com o mercado. Em vez disso, somos encorajados a aplicar as regras da genética, da neurociência, ou teoria de sistemas para a economia, e fazê-lo de uma forma perigosamente determinista.

Em seu esforço contínuo para definir e defender o funcionamento do mercado através da ciência e teoria de sistemas, alguns dos mais brilhantes pensadores de hoje tenham, talvez inadvertidamente, promovido uma mitologia sobre o comércio, a cultura e a competição. E é uma mitologia tão falsa, perigosas e, por fim mortal quanto qualquer religião.

A tendência começou nas páginas da revista de negócios digitais, Wired, que serviu para reformular novas inovações tecnologicas e descobertas da ciência em termos amigáveis aos especuladores desorientados. A Wired fundamentalmente não desafiou o mercado, que poderia fornecer os banqueiros e investidores com um mapa para o novo território, incluindo os consultores de que necessitavam para manter sua autoridade sobre a economia.

O primeiro e talvez mais influente entre eles foi Peter Schwartz, que, em 1997, com Peter Leyden, previram um " boom prolongado" de pelo menos 25 anos de prosperidade e saúde ambiental alimentada pela tecnologia digital e, mais importante, a manutenção dos mercados abertos. Kevin Kelly previu a forma como a abundância digital desafiaria os mercados escassos, e ofereceu regras claras através das quais as maiores empresas ainda poderiam prosperar à custa do fenómeno.

Stewart Brand juntou-se com Schwartz e outros e co-fundou a GBN, uma empresa de consultoria futurista cujo próprio nome Global Business Network (Rede Global de Negócio), parecia lançar o surgimento de uma economia em rede numa nova luz. O que significaria, que todos desde William Gibson a Brian Eno e Marvin Minsky seriam agora consultores para as maiores corporações do mundo? Será que eles seriam capazes de controlar as suas próprias mensagens? Brand famosamente declarou em 1984, que "a informação quer ser livre." Mas, muito menos divulgado e lembrado, fê-lo apenas depois de explicar que "a informação quer ser cara, porque é tão valiosa". Será que agora o seu trabalho e de outros seria analisado e vasculhado pelas migalhas mais eficazes na promoção de uma visão distorcida da nova economia? Será que a contracultura seria capaz de usar o seu novo acesso aos conselhos de administração da Fortune 500 para alterar o panorama de negócios, ou será que eles simplesmente se renderam à eventual absorção de tudo e todos a um primado eterno do capitalismo corporativo? Os “planos de cenários possíveis" que resultaram desse trabalho, através do qual as empresas poderão vislumbrar continuando o domínio de suas indústrias, parecem indicar o último.

Chris Anderson analisou por onde tudo isso está indo, e - em vez de oferecer uma visão de uma economia pós-escassez - aconselhou as empresas a simplesmente aproveitar a abundância para vender o que eles podem manter escasso. Da mesma forma, a nova e altamente dimensional concepção de Tim O'Reilly e John Battelle da Net - Web Squared - em última análise, oferece-se como um modelo pelo qual as empresas podem ganhar dinheiro através do controle dos índices utilizados pelo público para navegar o espaço de informação.

Tanto a ciência como a tecnologia estão desafiando as suposições há muito tempo mantidas acerca do controlo de cima a baixo, da competição e escassez. Mas é improvável que os nossos principais pensadores irão fornecer-nos axiomas verdadeiramente revolucionários para um mercado mais evoluído do que respostas reaccionárias às redes, tecnologias e descobertas que ameaçam a expor o mercado como um jogo arbitrário de poker. Elas não são novas regras para uma nova economia, mas são novas regras para sustentar antigos interesses económicos em face da descentralização maciça.

Embora possamos encontrar evidência de polarização pelo mercado corporativo na aplicação de qualquer campo de pesquisa, é a nossa perspectiva económica limitada que nos impede de apoiar o trabalho que serve valores externos ao mercado. É por isso que é particularmente traiçoeiro limitar o pensamento económico do jogo como é jogado actualmente, e de apresentar estes argumentos com certeza quase científica.

O sentimento de inevitabilidade e de pré-destino moldando estas narrativas, bem como a sua obediência final ao dogma do mercado, é mais perigoso, no entanto, na forma como ele cai a conta-gotas para os escritores e teoristas menos preocupados directamente ou conscientemente com as forças do mercado. Promove, tanto directamente como através de exemplo, uma vontade de aplicar a genética, a neurociência, ou teoria de sistemas para a economia, e de fazê-lo de modo decididamente determinista e muitas vezes superficial. Em seguida, o puxar do próprio mercado faz o resto do trabalho, inclinando as ideias de muitas das melhores mentes de hoje em direcção à agenda de quem mais oferece.

Portanto, Steven Johnson acaba inclinando-se, talvez mais do que devia, na evidência favorável às corporações de que a TV comercial e jogos de vídeo são realmente saudáveis. (Pense em quantas empresas iriam contratar um orador que afirmasse que tudo de ruim - como o marketing e comunicação social - é realmente ruim para você.) Do mesmo modo, Malcolm Gladwell encontra-se repetidamente usando recentes descobertas da neurociência para argumentar que a elevada cognição humana é mais que derrotado por impulsos répteis, que podíamos muito bem ser guiados por profissionais da publicidade, já que de qualquer modo estamos apenas agindo irracionalmente em resposta a estímulos brutos. Tudo se torna em negócio - e isso é mais do que bom.

Esta aceitação comum da ordem económica actual como um facto da natureza acaba por comprometer o impacto das novas descobertas, e mudar a relação do público com a ciência que se passa à sua volta. Estes autores não fazem crónicas (ou comemoram) o ataque frontal completo que as novas tecnologias e descobertas cientificas apresentam, digamos, à monopolização da criação de valor ou à centralização da moeda. Em vez disso, eles vendem às empresas um novo algoritmo baseado na ciência para investimento estratégico no novo cenário. Relatórios de vendas mais altos e taxas provenientes de conferências servem como reforço positivo para os autores incorporarem o preconceito do mercado com mais entusiasmo na próxima vez. Escreva livros que os negócios gostam, e você faz melhores negócios. O ciclo auto-perpetuado. Mas só porque ele paga a hipoteca não significa que seja verdade.

De facto, graças à sua aceitação cega de uma teoria de mercado em particular, a maioria destes conceitos acabam por não prever com precisão o futuro. Em vez de 25 anos de prosperidade e saúde ecológica, temos a explosão do dotcom e o aquecimento global. A imersão em meios de comunicação não é muito boa para nós. As pessoas são capazes de responder a uma chamada à acção mais complexa do que os discursos retóricos excessivamente simplificados e emocionais de ideologias de direita. O efeito de descentralização de novos meios de comunicação foi atendido por uma concentração esmagadora de conglomerados empresariais.

Estas teorias falham não pela matemática ou ciência subjacentes serem falsas, mas sim por serem aplicadas de uma forma inadequada. No entanto muitos teoristas continuam a acreditar nelas, desesperados para que alguma lógica floresça através da qual a premissa da escassez possa de alguma forma encaixar e cativar os homens de negócios. Neste processo, ignoram a questão verdadeiramente relevante: se o modelo económico, com regras de jogo estabelecidas à meio milénio por reis com exércitos, pode continuar a deter a actividade do mercado genuína de pessoas, possibilitado por computadores.

As pessoas estão começando de novo a criar e a trocar valor, e elas têm vindo a perceber que o mercado que aceitaram como facto consumado não é uma condição da natureza. Esta é a ameaça – e nenhuma quantidade de recontextualização teórica vai mudar isso – ou conseguir impedir-la com sucesso.

Criação de Mercados: Da Abundância para a Escassez Artificial

A economia em que operamos não é um sistema natural, é sim um conjunto de regras desenvolvido na Baixa Idade Média a fim de impedir o crescimento incontrolado de uma classe comerciante que estava criando e trocando valor com impunidade. Isto era o que hoje poderíamos chamar uma economia de ponto-a-ponto (peer-to-peer), e não dependiam de empregadores centrais ou até mesmo de uma moeda central.

As pessoas levavam o grão dos campos para pesar em um armazém de grãos, e saiam com um recibo – geralmente estampado em um pequeno pedaço de folha de alumínio. A folha poderia ser rasgada em pequenos pedaços e usada como moeda na cidade. Cada pedaço representava uma quantidade específica de grãos. O dinheiro entrou literalmente em existência – e o montante total em circulação reflectia a abundância da colheita.

Agora o que era interessante sobre este dinheiro é que perdia o valor ao longo to tempo. O armazém de grãos tinha de ser pago, algum grão era perdido para os ratos e desperdícios. Assim cada ano, o armazém do grão fazia uma nova emissão de dinheiro para qualquer grão que não tivesse sido reivindicado. Isto significa que o dinheiro tendia para transacções – na direcção de circulação, em vez de ser acumulado. As pessoas queriam gastar. E quanto mais dinheiro circulava (até certo ponto) melhor e mais abundante era a economia. A manutenção preventiva de máquinas, pesquisa e desenvolvimento de novos moinhos e rodas de água era elevada.

Muitas cidades tornaram-se tão prósperas que elas investiram em projectos de longo prazo, tais como catedrais. A “época das catedrais” deste período pré-renascença não foi financiada pelo Vaticano, mas sim pela actividade ascendente das vibrantes economias locais. A semana de trabalho ficou mais curta, as pessoas mais altas e a expectativa de vida aumentou. (Era a Baixa Idade Media perfeita? Não – de jeito nenhum/modo algum. Eu não estou de forma alguma advogando um retorno à Idade Média. Mas é necessária uma avaliação honesta dos mecanismos económicos estabelecidos antes do nosso se alguma vez quisermos lidar com os preconceitos do sistema que actualmente estamos confundindo com a forma como sempre existiu e sempre devera existir.)

Senhores feudais, reis recentes e a aristocracia não estavam participando nesta criação de riqueza. Suas famílias não tinham criado valor em séculos, e eles precisavam de um mecanismo através do qual pudessem manter a sua estatura própria em face de uma classe média em ascensão. As duas ideias que de eles surgiram ainda estão entre nós actualmente essencialmente da mesma forma, e ficaram tão embebidas no comércio que as confundimos com leis preexistentes da actividade económica.

A primeira inovação foi a centralização da moeda. Qual a melhor forma para os que já são ricos manterem a sua riqueza do que tornar o dinheiro escasso? Os monarcas tornaram forçosamente as abundantes moedas locais ilegais e, no seu lugar exigiram ao povo a troca de valor através de moedas centrais artificialmente escassas. Não só era mais fácil de cobrar impostos sobre a moeda emitida centralmente, mas também deu aos bancos centrais uma forma fácil de extrair valor através da depreciação (remoção do conteúdo de ouro). O preconceito da moeda escassa, no entanto, foi no sentido de acumulação. Aqueles com acesso ao tesouraria poderiam acumular fortunas através de empréstimos ou investindo passivamente em valor criado por outros. A prosperidade na periferia foi rapidamente reduzida visto que o valor era puxado em direcção ao centro. Dentro de algumas décadas depois da criação da moeda central na França surgiu a pobreza local, o fim da agricultura de subsistência e da peste. (A economia que celebramos actualmente como resultado feliz destas inovações de Renascença só entrou em vigor após a Europa ter perdido metade da sua população.)

A emissão da moeda como é praticada actualmente – realmente um serviço público – ainda é controlada em grande parte da mesma forma pelos bancos centrais. Emitem a moeda sob a forma de um empréstimo a um banco, que por sua vez faz um empréstimo a um negócio. Cada mutuário deve pagar mais do que ele adquiriu, necessitando de concorrência – e mais empréstimos. Uma economia rigorosamente forçada com uma moeda central deve expandir-se conforme a taxa de dívida; já não é governada principalmente pelas leis de oferta e procura, mas sim pelas estruturas de dívida dos seus credores e devedores. Aqueles que não conseguem crescer organicamente devem adquirir negócios a fim de crescer artificialmente. Apesar de quase 80% das fusões e aquisições não conseguirem criar valor para qualquer das partes, as regras de uma economia baseada no endividamento – e os accionistas em favor das quais foram desenvolvidas – insistem em crescimento em detrimento do valor a longo prazo.

A segunda grande inovação foi o monopólio fretado, através do qual, reis podiam conceder controlo exclusivo sobre um sector ou região a uma empresa favorecida, em troca de um investimento no empreendimento. Isso deu origem aos mercados de monopólio, como o direito exclusivo da British East India trading Company para o comércio nas colónias americanas. Os colonos que produziam algodão não eram autorizados a vende-lo a outras pessoas ou, pior ainda, fabricar roupas. Estas actividades teriam gerado valor de baixo para cima, de uma forma que não poderia ter sido extraído por uma autoridade central. Em vez disso, os colonos eram obrigados a vender o algodão à Companhia, a preços fixos, que expedia para a Inglaterra para ser fabricado em roupa por outro monopólio fretado e depois enviado para a América para venda aos colonos. Não era mais eficiente, era simplesmente mais extractivo.

A economia resultante encorajava – e muitas vezes forçava – as pessoas a aceitar emprego em corporações fretadas em vez de criar valor para si próprias. Quando os nativos das Índias começaram a produzir corda para vender à Dutch East India Trading Company, a empresa procurou e ganhou leis que tornou ilegal para todos a fabricação de corda na Índia excepto à própria Companhia. Os ex-fabricantes de corda tiveram que encerrar as suas oficinas e trabalhar como empregados da Companhia com salários mais baixos.

Acabamos por ter uma economia baseada na escassez e competição em vez de abundância e colaboração; uma economia que exige o crescimento e evita os modelos de negócios sustentáveis. Pode ou não reflectir melhor as leis da natureza – e é uma conversa que realmente devíamos de ter – mas certamente não é o resultado de um conjunto de princípios em acção completamente natural. É um sistema concebido por certas pessoas em um determinado momento da história, com interesses muito específicos.

Tal como os artistas do Renascimento, que eram obrigados a encontrar patrocinadores para apoiar o seu trabalho, a maioria dos cientistas, matemáticos, teóricos e tecnólogos dos dias de hoje devem encontrar apoio do sector público ou privado para continuar seu trabalho. Esse apoio não é ganho chamando a atenção para o Monopólio de directoria que a maioria de nós confunde com a economia real. É ganho através da aplicação de ideias para as técnicas através das quais os seus patrões possam melhor jogar o jogo.

Isto influenciou suas observações e conclusões. Tal como John Nash, que realizou experimentos com a teoria de jogos para a RAND em 1950, estes consultores de negócios vêem concorrência e egoísmo onde não existe algum, e rejeitam toda a evidência que aponte ao contrário. Embora mais tarde ele retratou suas conclusões, Nash e seus colegas não podiam acreditar que seus sujeitos de investigação iriam escolher um curso de acção colaborativo quando apresentados com o “dilema de prisioneiros,” e simplesmente ignoraram os seus resultados iniciais.

Da mesma forma, os defensores do liberalismo digital de hoje exploram qualquer evidência que possam encontrar de princípios evolutivos que reflictam a competitividade fundamental dos seres humanos e outras formas de vida, ignorando a evidência rigorosamente acumulada da cooperação como uma primária habilidade social humana. O falecido arqueólogo Glynn Isaac, foi um que, demonstrou como a partilha de alimentos, distribuição de trabalho, redes sociais e outras actividades colaborativas são o que deu aos nossos antepassados evolutivos a capacidade de sobreviver. A investigação do biólogo Ian Gilby de Havard sobre a caça entre os morcegos e os chimpanzés demonstra formas avançadas de cooperação, acção colectiva e partilha de carne desproporcional aos riscos tomados para a matar.

Em vez disso, é mais popular concentrar-se na batalha egoísta pela sobrevivência do mais apto. Queira ou não que seu trabalho seja usado desta forma, os argumentos de Steven Pinker sobre a diminuição da violência entre os seres humanos ao longo do tempo são usados por outros como provas da influência pacífica do mercado livre na civilização. Ray Kurzweil relega toda a raça humana a um papel secundário na evolução muito mais significativa de máquinas – uma atitude desumana que se encaixa muito bem com um mercado industrial em que a maioria dos seres humanos é relegada ao papel reactivo de consumidores.

Na visão de Chris Anderson, da vinda da “era Pepabyte”, nem serão necessários cientistas humanos. Isto porque as estruturas que emergem de conjuntos de dados multi-dimensionais serão auto-organizados e auto-aparentes. As propriedades emergentes de sistemas naturais e mercados artificiais são tratados de forma intercambiável. Tal como a “mão invisível”[1] de Adam Smith, ou a noção “catalaxia”[2], do economista austríaco Friedrich Hayek, os mercados estão predestinados a atingir equilíbrio pela sua própria natureza. Assim como qualquer outro sistema natural complexo.

Em resumo, estas teorias económicas estão seleccionando exemplos da natureza para confirmar as propriedades de um mercado totalmente concebido deliberadamente: actores egoístas, o equilíbrio inevitável, a escassez de recursos, a competição para a sobrevivência. Ao fazer isso, eles confirmaram – ou, no mínimo, reforçaram – a falsa ideia de que as leis de um regime fiscal artificialmente escasso são a herança de uma espécie em vez de uma construção social imposta pela força da pólvora. No mínimo, a linguagem da ciência confere autoridade imerecida sobre estes pressupostos económicos aceites cegamente.

O Efeito de Rede

O pior de tudo é quando aparece um recurso potencialmente desestabilizador e descentralizador como a internet, este estilo de inquérito de meia-verdade e desinteressado segue a historia apenas até ser descoberto um meio para deter o seu desenvolvimento e novas estratégias possam ser oferecidas.

O sistema de valores do código aberto, através do qual, qualquer pessoa que entenda o código pode efectivamente redesenhar um programa para o seu próprio gosto, é remontado por Jeff Howe como “crowdsourcing”[3] através do qual as empresas podem aproveitar mais uma vez o potencial enorme de pessoas reais, actuando em conjunto, de forma gratuita. Meios de comunicação viral são reinventados por Malcom Gladwell como “contagio social,” ou por Tim Draper como “marketing viral” – técnicas através das quais o marketing de massa pode uma vez mais voltar a definir a escolha humana como uma série de decisões de consumo.

A tendência de descentralização dos novos meios de comunicação é assim aceite e interpolada apenas até a guarda intelectual do mercado poder conceber uma nova contra-medida para seus patrões utilizarem em nome da preservação de negócios como de costume.

Entretanto, os mesmos peritos corporativistas e libertistas usando as teorias de evolução de Richard Dawkins para falsamente justificar a lógica caótica do capitalismo através de seus artigos técnicos, também aconselham os políticos a como explorar as crenças dos criacionistas cristãos fundamentalistas, a fim de obter apoio publico para a auto-suficiência como um estado de graça pessoal, e para galvanizar a suspeita de um estado auto-financiador da sua assistência social. Isto é cínico na melhor das hipóteses.

Não é necessário ser um génio ou um cientista para entender que as regras do jogo económico como é actualmente jogado não reflectem os valores humanos nem as leis da física. O mercado não pode expandir-se infinitamente como os redshifts no universo do Telescópio Hubble. Quantas outras espécies tentam acumular gordura suficiente durante seus anos produtivos de modo que eles possam simplesmente se “aposentar” em seus recursos acumulados?
Como poderia uma métrica como o PNB (produto nacional bruto) reflectir exactamente a saúde da economia real quando os derramamentos tóxicos e doenças epidémicas semelhantes contam como um boom a curto prazo?

A internet pode ser semelhante a um rizoma mas ainda é alimentada por uma moeda que é tudo menos um jogador neutro. A maioria dos entusiastas do negócio da internet aplaudem os esforços do Google para construir sistemas abertos da mesma forma que seus antecessores aplaudiram a oferta do Banco Mundial de mercados abertos às nações em desenvolvimento ao redor do mundo – totalmente inconscientes (ou sem vontade de olhar) ao que exactamente estamos abrindo o nosso mundo.

A internet (se estamos falando da Web 2.0, Wikipedia, redes sociais ou laptops) oferece às pessoas a oportunidade de construir economias baseadas em regras diferentes – comercio que existe fora do mapa económico que confundimos com o território da interacção humana.

Nós podemos iniciar e até mesmo dimensionar empresas com pouco ou nenhum capital, tornando obsoletos os bancos e o capital de investimento em que os negócios dependem. Essa é a verdadeira razão para a chamada crise económica: há menos mercado para a dívida em que o jogo de topo pesado é baseado. Nós podemos desenvolver moedas locais e complementares, redes de troca, e outros sistemas de intercâmbio de forma independente de um banco central, e realizar transacções seguras com os nossos telemóveis.

Ao fazer isso, tornamo-nos capazes de imaginar um mercado baseado em algo excepto a escassez – um requisito se alguma vez iremos encontrar uma forma de utilizar o fornecimento abundante de energia. Não é que não tenhamos os meios tecnológicos para fontes de energia renovável mas sim a falta de um conceito de mercado capaz de competir com a abundância. Tal como nos lembra Buckminster Fuller: estes não são problemas da natureza, são problemas de design.

Se a ciência pode enfrentar Deus, esta não deve temer o mercado. Afinal ambos são criações do homem

Temos de parar de perpetuar a ficção que a própria existência é ditada pelas leis imutáveis da economia. Estas chamadas leis são, na realidade, os mecanismos económicos dos monarcas do século 13. Alguns de nós analisando a cultura digital e o seu impacto sobre os negócios deve revelar a economia como a construção artificial que realmente é. Embora possa ser submetida ao escrutínio do método científico e matemático, não é uma ciência natural, é uma teoria de jogo, com um conjunto de pressupostos que pouco tem a ver com qualquer coisa semelhante a genética, neurologia, evolução ou sistemas naturais.

A tradição cientifica expôs o facto astronómico impopular que a terra não era o centro do universo. Esta posição desafiou a ordem social e os seus defensores foram recebidos com menos de uma recepção de boas vindas. Hoje, a ciência tem uma oportunidade semelhante: para expor as falácias subjacentes do nosso modelo económico em vez de produzir estratégias de curto prazo para mitigar os efeitos das invenções e descobertas que ameaçam esta herdada alucinação do mercado.

O modelo económico foi quebrado, para sempre. É hora de parar de fingir que ele descreve o nosso mundo.




[1] - Mão invisível foi um termo introduzido por Adam Smith em "A Riqueza das nações" para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse uma "mão invisível" que os orientasse. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3o_invis%C3%ADvel)

[2] – Catalaxia é uma teoria praxeologica (ciência que estuda a estrutura lógica da acção humana) sobre a maneira como o mercado fixa os preços e os intercâmbios num mecanismo de ordem espontâneo, que normalmente ocorre sem necessidade de objectivos comuns nem planificados entre os actores económicos. (fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Catalaxia)

[3] – Crowdsourcing é um neologismo para o acto de agarrar em uma tarefa tradicionalmente efectuada por um empregado, e entregar-la a um grupo de pessoas ou comunidade (multidão, em Inglês crowd) pedindo contribuições. (fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Crowdsourcing)

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